Neste artigo, abordarei a desigualdade na aplicação do princípio da isonomia, uma questão persistente e intrínseca ao sistema legal brasileiro, que impacta de maneira direta a concretização da justiça social, a proteção dos direitos fundamentais e o equilíbrio entre os cidadãos perante a lei.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 estabelecer a isonomia como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, na realidade, a aplicação desse princípio ainda é marcada por desigualdades sistemáticas. Essa divergência entre as normas estabelecidas e a realidade existente prejudica a credibilidade do sistema judiciário e mantém desigualdades, especialmente em relação a grupos que foram historicamente marginalizados.
Neste artigo, busco realizar uma análise crítica e acadêmica dos elementos que influenciam a desigualdade na efetivação do princípio da isonomia. Quero evidenciar como essa problemática impacta o acesso a direitos fundamentais e intensifica as desigualdades sociais. Adicionalmente, irei explorar alternativas para uma aplicação mais justa e eficiente desse princípio no sistema jurídico do Brasil.
A escolha deste tema se fundamenta na percepção diária de que, embora haja uma proteção formal em relação à isonomia, as disparidades continuam profundamente integradas nas estruturas sociais, econômicas e legais do país. Na minha atuação como estudante e pesquisador do Direito, considero fundamental analisar essas contradições e sugerir soluções que favoreçam a efetivação da igualdade material. Ao abordar essa questão, participo do diálogo jurídico e contribuo para a formação crítica de profissionais que buscam a justiça social.
Utilizo a análise qualitativa como abordagem, sustentada em estudos bibliográficos e documentais, baseando-me em autoras consagrados no campo do Direito Constitucional, tais como José Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos e Luís Roberto Barroso. Adicionalmente, incorporo informações oficiais, decisões judiciais e normas legais que demonstram como a desigualdade na aplicação do princípio da isonomia se revela nos diversos segmentos do Direito. A perspectiva adotada será crítica e reflexiva, enfatizando a relação entre a norma e a realidade.
O que é o princípio da isonomia?
O princípio da isonomia, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, garante que:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Essa disposição é, simultaneamente, um pilar do Estado Democrático de Direito e uma orientação para os órgãos públicos. Sob a ótica jurídica, a isonomia requer que os iguais sejam tratados de forma idêntica e os desiguais de maneira diferenciada, conforme suas específicas desigualdades.
Entretanto, essa norma ideal ainda está distante de se realizar em várias áreas da vida pública e privada. Essa disparidade entre o que está previsto na constituição e a situação atual é o que nos conduz à questão principal desta pesquisa: a desigualdade na implementação do princípio da isonomia.
A diferença entre igualdade formal e igualdade material
Um dos obstáculos mais significativos para a real aplicação da isonomia é a mistura entre igualdade formal e igualdade material. A igualdade formal refere-se apenas à norma que estipula que todos devem ser tratados de maneira idêntica, desconsiderando as circunstâncias específicas de cada um. Por outro lado, a igualdade material requer intervenções do Estado que visem a reparar desigualdades históricas, sociais e econômicas.
Assim, quando o Judiciário, o Legislativo ou o Executivo implementam a isonomia somente com base na igualdade formal, acabam por manter situações de injustiça. Aqui é onde surge de maneira mais clara a questão: a aplicação de forma seletiva e indiferente à realidade dos indivíduos.
Como a desigualdade na aplicação da isonomia afeta os direitos fundamentais
A disparidade na implementação da isonomia se manifesta diretamente na transgressão de direitos básicos, como o acesso à saúde, à educação, ao trabalho justo, à moradia e à justiça. Quando certos grupos ,como mulheres, pessoas negras, indígenas, indivíduos com deficiência e habitantes de áreas periféricas não conseguem acessar de maneira equitativa as políticas públicas e os sistemas de justiça, a isonomia deixa de ser um princípio protetor e se torna um objetivo distante.
Essa situação é evidente, por exemplo, na maneira desigual como os recursos públicos são alocados, na falta de apoio governamental em áreas necessitadas e nas barreiras que grupos vulneráveis enfrentam para acessar a Defensoria Pública.
Desigualdade no Processo Civil: quando a paridade é apenas formal
O artigo 7º do Código de Processo Civil de 2015 assegura um tratamento equitativo às partes envolvidas no processo. Em teoria, essa abordagem promove condições iguais para todos os litigantes. Contudo, na realidade, essa igualdade é frequentemente desrespeitada. Enquanto grandes corporações dispõem de escritórios de advocacia altamente especializados, indivíduos comuns muitas vezes se veem dependentes de uma Defensoria Pública sobrecarregada e com recursos limitados.
Essa disparidade processual não apenas fere a isonomia, mas também compromete o próprio devido processo legal. O resultado é um Judiciário que, mesmo involuntariamente, reforça desigualdades em vez de corrigi-las.
Isonomia no Direito Tributário: justiça fiscal ou privilégio disfarçado?
O parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição determina que a tributação deve levar em conta a capacidade de contribuição dos cidadãos. Em outras palavras, aqueles que possuem mais recursos devem pagar uma quantia maior. No entanto, é bem conhecido que o sistema tributário brasileiro apresenta características regressivas: os impostos indiretos, como o ICMS, impactam de forma desproporcional os cidadãos com menores rendas, enquanto os impostos sobre grandes patrimônios ou heranças permanecem escassos ou até ausentes.
Essa distância entre o princípio e a realidade tributária revela como a isonomia é distorcida para preservar interesses de grupos privilegiados, em detrimento da justiça fiscal e da igualdade material.
Isonomia e discriminação no ambiente de trabalho
A Constituição estabelece a proibição de discriminação no ambiente de trabalho com base em gênero, idade, raça ou estado civil (art. 7º, XXX). No entanto, as mulheres continuam a ter remunerações inferiores às dos homens, indivíduos negros enfrentam dificuldades para conseguir posições de liderança e pessoas com deficiência ainda lidam com barreiras físicas e culturais.
Essas informações indicam que a isonomia no Direito do Trabalho é mais uma questão de aparência do que uma realidade concreta, o que destaca a necessidade urgente de implementar políticas públicas afirmativas e uma supervisão eficaz para corrigir essas incongruências.
A dimensão estrutural da desigualdade na aplicação da isonomia
A disparidade na aplicação do princípio da isonomia não se trata de um evento isolado ou esporádico. Ela é inerente à estrutura da sociedade, decorrente de séculos de exclusão social, econômica e política de certos grupos. O racismo sistêmico, o patriarcado e a marginalização das áreas periféricas exemplificam como o Direito, mesmo sem querer, pode perpetuar desigualdades quando não age de maneira crítica e transformadora.
Nesse contexto, a isonomia demanda algo além de imparcialidade: requer um compromisso com a justiça social e a ousadia de desafiar privilégios que estão enraizados ao longo da história.
Jurisprudência: avanços e retrocessos
A jurisprudência no Brasil apresentou decisões significativas que promovem a equidade material, como a aceitação de cotas raciais em processos seletivos públicos e a expansão dos direitos das pessoas com deficiência. Contudo, existem também decisões que indicam retrocessos, como a criminalização direcionada de grupos em situação de vulnerabilidade e a rejeição de políticas afirmativas fundamentada em uma leitura restritiva da isonomia.
Essas oscilações demonstram que o Judiciário ainda carece de uma postura uniforme e sensível às desigualdades concretas da sociedade brasileira.
Conclusão
Finalizo este artigo reafirmando que a desigualdade na aplicação do princípio da isonomia representa um dos maiores obstáculos do sistema jurídico brasileiro. Apesar de a Constituição de 1988 ter promovido um avanço significativo ao estabelecer a igualdade como um valor fundamental, a concretização desse princípio requer uma ação governamental que seja consciente, sensível e dedicada à justiça social.
A aplicação da isonomia não pode se limitar à retórica jurídica ou à neutralidade aparente. É preciso reconhecer as desigualdades históricas, sociais e econômicas que marcam o Brasil e agir de forma concreta para superá-las. Isso exige políticas públicas efetivas, decisões judiciais comprometidas com a igualdade material e um sistema tributário mais justo.
Enquanto a igualdade de direitos não for implementada de maneira uniforme, a ideia de um Estado Democrático de Direito permanecerá inacabada. Como profissional do Direito, comprometo-me não apenas a entender, mas também a batalhar por uma aplicação mais justa, imparcial e real desse princípio, que fundamenta a dignidade humana e a convivência em uma sociedade democrática.