O procedimento de inventário é indispensável para formalizar a transferência dos bens deixados por uma pessoa falecida aos seus herdeiros e legatários. Ele cumpre funções essenciais, como identificar o patrimônio, pagar dívidas, recolher os tributos incidentes sobre a transmissão causa mortis e promover a partilha. Tradicionalmente, esse processo ocorria judicialmente em casos de herdeiros incapazes ou testamento. No entanto, recentes alterações normativas alteraram significativamente esse cenário.
Conceito e Natureza do Inventário
O inventário é um procedimento especial previsto no Código de Processo Civil, do artigo 610 ao 673, e visa levantar e organizar o espólio deixado pelo falecido. A definição trazida por Cássio Scarpinella Bueno, mostra que o inventário deve identificar os bens, verificar possíveis herdeiros preteridos, quantificar o valor patrimonial, assegurar o recolhimento de tributos, quitar dívidas e partilhar o que restar.
De forma simplificada, é o procedimento pelo qual se descobre o que o falecido deixou, paga-se o que é devido, e o restante é dividido entre os herdeiros e legatários. Quando há apenas um herdeiro, nem mesmo a partilha é necessária, bastando os trâmites formais para que o patrimônio seja transferido.
O Inventário Extrajudicial: Panorama Anterior
Antes da Resolução CNJ 571/2024, o artigo 610 do CPC exigia que, havendo testamento ou herdeiro incapaz, o inventário fosse obrigatoriamente judicial. Isso gerava um entrave à desjudicialização, princípio que tem sido cada vez mais incentivado para aliviar o Judiciário e dar celeridade aos procedimentos sucessórios.
A Nova Resolução do CNJ: O que mudou?
A Resolução nº 571/2024, com força normativa administrativa, trouxe uma verdadeira modernização ao tema. Agora, é possível realizar o inventário por escritura pública (extrajudicial) mesmo que haja herdeiros incapazes ou testamento, desde que algumas condições legais sejam observadas.
1. Herdeiro incapaz
De acordo com a nova norma, é possível realizar inventário extrajudicial mesmo com a presença de herdeiro menor ou incapaz, desde que:
O quinhão do herdeiro incapaz seja atribuído em fração ideal, e não em bem específico;
Haja manifestação favorável do Ministério Público, atuando para garantir os direitos do incapaz;
Não se pratiquem atos de disposição sobre os bens pertencentes ao menor ou incapaz (venda, doação, etc.), a não ser com autorização judicial.
2. Nascituro
Havendo nascituro (ex: gestante no momento do falecimento), o procedimento deve aguardar o nascimento com vida e o registro do recém-nascido com a devida filiação. Se nascer com vida, o herdeiro será incluído normalmente. Se, infelizmente, não sobreviver, o inventário segue sem sua participação.
3. Testamento
Outra novidade é a possibilidade de inventário extrajudicial mesmo com testamento, desde que:
O testamento tenha sido aberto, validado e cumprido judicialmente com sentença transitada em julgado;
Todos os interessados sejam capazes e concordes;
Haja participação de advogado ou defensor público.
A Função do Advogado Permanece Essencial
Importante destacar que, mesmo com essas novas possibilidades, a presença de um advogado permanece obrigatória no inventário extrajudicial. A Resolução CNJ não altera o procedimento de lavratura da escritura pública de inventário, mas apenas amplia as hipóteses em que ele pode ser utilizado.
O tabelião de notas somente poderá lavrar a escritura se as partes estiverem assistidas por profissional habilitado. Logo, ao contrário do que alguns possam temer, essa mudança não reduz o campo de atuação da advocacia, mas sim exige conhecimento atualizado por parte dos profissionais para melhor orientação dos clientes.
Conclusão
A Resolução CNJ 571/2024 é um marco importante na desjudicialização dos procedimentos de inventário no Brasil. Ao permitir que situações antes restritas ao Poder Judiciário possam ser solucionadas em cartório, ela oferece mais agilidade, economia e eficiência para as famílias e para o sistema jurídico.
Por outro lado, ela impõe novas responsabilidades e cuidados aos advogados, que devem zelar pela correta observância dos requisitos legais, pela proteção dos herdeiros incapazes e pela regularidade das disposições testamentárias.
Essa atualização representa não só uma simplificação do processo, mas também um reforço na ideia de que o uso racional da via judicial deve ser reservado aos casos realmente litigiosos. Nos demais, a via extrajudicial, com a devida segurança jurídica, mostra-se plenamente eficaz.