No Direito Civil brasileiro, o estudo da personalidade civil é fundamental para compreender quem pode adquirir direitos e contrair deveres na ordem jurídica. Essa análise também revela os limites da titularidade de direitos em situações especiais, como no caso do nascituro (aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu) e do natimorto (aquele que nasceu sem vida).
A doutrina jurídica brasileira apresenta duas correntes majoritárias que buscam explicar o início da personalidade civil: a teoria natalista e a teoria concepcionista. Cada uma delas oferece interpretações diferentes, mas ambas desempenham um papel essencial na proteção da vida e na segurança jurídica.
A teoria natalista
A teoria natalista sustenta que a personalidade civil somente se inicia com o nascimento com vida, em conformidade com o artigo 2º do Código Civil. Dessa forma, somente após nascer a pessoa passa a adquirir direitos e deveres de ordem civil.
Segundo essa concepção, o nascituro, embora protegido em alguns aspectos, não possui plena personalidade civil. Seus direitos se limitam a garantias relacionadas à vida, à integridade física e à dignidade, não abrangendo direitos de natureza patrimonial, como herança, propriedade, danos morais ou recebimento de seguros.
Ainda dentro dessa linha, o natimorto não adquire personalidade, razão pela qual não pode ser considerado titular de direitos civis. Consequentemente, não tem direito a nome, certidão ou herança, sendo excluído da esfera patrimonial e jurídica após o nascimento sem vida.
A teoria concepcionista
Em contraposição, a teoria concepcionista entende que a personalidade civil surge desde a concepção. Assim, o nascituro já é titular de direitos, embora alguns efeitos de ordem patrimonial dependam do nascimento com vida para se consolidarem.
Sob essa ótica, o nascituro pode ter reconhecidos direitos sucessórios, herança e até indenizações relacionadas a seguros, como o DPVAT, em caso de falecimento da mãe em um acidente de trânsito. A teoria concepcionista, portanto, amplia a proteção jurídica e reconhece a titularidade de direitos antes do nascimento.
No caso do natimorto, a teoria concepcionista defende que ele possui direitos de personalidade, como nome, sepultura e emissão de certidão, ainda que não venha a adquirir direitos de natureza patrimonial. Esse entendimento representa um avanço no reconhecimento da dignidade humana mesmo diante da morte intrauterina.
Pontos de convergência
Apesar das divergências, ambas as teorias convergem em um ponto essencial: a aquisição de direitos patrimoniais depende do nascimento com vida. Esse entendimento garante a coerência e a segurança jurídica, preservando o equilíbrio entre a proteção do ser humano em formação e a estabilidade das relações jurídicas.
Embriões concebidos in vitro
A doutrina moderna também se preocupa com os embriões concebidos in vitro. A renomada jurista Maria Helena Diniz defende que esses embriões possuem os mesmos direitos dos nascituros, incluindo a proteção à vida, à integridade física e à dignidade. Além disso, eventual titularidade de direitos patrimoniais só será consolidada após o nascimento com vida, reforçando a lógica do ordenamento jurídico brasileiro.
Esse posicionamento amplia o debate sobre bioética e Direito, mostrando como a legislação e a doutrina se adaptam às novas realidades científicas e tecnológicas.
Conclusão
Em síntese, a análise das teorias natalista e concepcionista evidencia visões distintas sobre o início da personalidade civil. A teoria natalista restringe os direitos do nascituro à proteção da vida e integridade, enquanto a concepcionista reconhece uma titularidade mais ampla desde a concepção, inclusive garantindo direitos de personalidade ao natimorto.
Contudo, ambas convergem em um ponto de grande relevância: os direitos patrimoniais dependem do nascimento com vida, reafirmando o equilíbrio entre a proteção da dignidade humana e a segurança jurídica.
Assim, compreender essas teorias é essencial não apenas para operadores do Direito, mas também para todos que desejam entender como o ordenamento jurídico brasileiro busca conciliar a proteção da vida com a estabilidade das relações civis.